“Todas as vezes que a sorte bateu à minha porta ela me encontrou trabalhando.”
Pablo Picasso
Em 2023 foram publicadas cerca de 95 milhões de fotos diariamente no Instagram (1), mas quantas dessas guardamos na memória? Poucas, talvez nenhuma. A explicação para esse esquecimento é trivial, são fotos que não inspiram, não tocam nossas almas. Assemelha-se às muitas pessoas que vemos ao longo do dia e à noite não nos lembramos de nenhuma delas.
De tempos em tempos a deusa Atena contempla-nos com alguém extraordinário brindando a humanidade com obras de
artes que arrebatam nossas emoções. Foi ela quem trouxe os faraós para fazer as pirâmides do Egito, Micheangelo para encantar-nos com a Capela Sistina, Leonardo Da Vinci com Monalisa, Beethoven com a 5ª sinfonia e agora apresenta-nos os fotógrafos Evan Vucci, Jérôme Brouillet e Naomi Baker.
Percebamos que cada artista eternizou-se pela sua arte em seus diversos ramos, isso prova que a beleza está em tudo, como disse Cecília Meireles em A arte de ser feliz, “…basta abrir a janela e ter olhos para ver”.
O fotógrafo de guerra Evan Vucci, vencedor do Prêmio Pulitzer, conhecido pela sua cobertura dos protestos que se seguiram
ao assassinato de George Floyd, em 2020 (2), eternizou-se de forma grandiosa ao fotografar o candidato à presidência dos Estados Unidos da América, Donald Trump, após este escapar de um atentado a tiro em julho de 2024. Em meio à correria da plateia e dos policiais Vucci manteve-se concentrado no seu trabalho colocando na mira um Trump ferido. Movia-se de acordo com seu alvo tal qual uma fera cercando a presa. Foi com insistência, obstinação que a sorte sorriu para ele com Donald Trump ensanguentado, punho erguido e ao fundo a bandeira dos Estados Unidos da América, formando uma composição recheada de elementos que cativam o leitor e levam-nos a contemplar a imagem.
O punho cerrado leva-nos à força que esse gesto significa. Desde tempos remotos o homem usou os punhos para demonstrar
resistência e significar sua luta por um ideal ou até pela própria vida. O sangue escorrendo pelo rosto completa a dramaticidade da cena. Sangue no rosto significa que a vítima foi golpeada na cabeça a caixa que guarda as lembranças dos olhares, as emoções causadas pelo olfato e paladar e o cérebro, que é o responsável pelo homem proclamar a guerra ou a paz.

Outra fotografia perfeita é do surfista Gabriel Medina no instante em que ele sai da onda para comemorar o sucesso das suas
manobras que lhe garantiu a medalha de bronze nas olímpiadas de 2024. Como afirma Cartier Bresson, o clique no ‘momento decisivo’ foi disparado pelo fotógrafo Jérôme Brouillet que estava na água acompanhando os atletas.
Medina aparece leve e solto no céu com nuvens ao fundo como se estivesse no Monte Olimpo, soberano, majestoso, parado sobre uma tênue linha d’água com sua prancha igualmente aprumada, como se dissesse “eu também mereço essa medalha”. Brouillet ressignificou a vida de Medina que há pouco tempo enfrentou sérios problemas de solidão profunda e também a imensidão do oceano a transformando num filete d’água.
Ao jornal The Guardian Brouillet disse que “As condições eram perfeitas, as ondas eram mais altas do que esperávamos”.
“Ele [Medina] estava atrás da onda e eu não pude vê-lo até que ele apareceu e tirei quatro fotos dele, e uma delas era esta. Não
foi difícil tirar a foto. Foi mais uma questão de antecipar o momento e saber onde o Gabriel vai começar a onda”, afirmou o fotógrafo.(3)

Outra foto icônica, jamais imaginada que fosse possível acontecer, a ginasta brasileira Rebeca Andrade, ganhadora da medalha
de ouro nas olimpíadas de Paris em 2024, sendo reverenciada pela maior medalhista de todos os tempos Simone Biles e sua conterrânea Jordan Chiles, ambas americanas. A foto tornou-se icônica por diversos aspectos, dentre eles, o fato de ter apenas mulheres negras no pódio. Outro fato, este talvez mais simbólico e menos comentado, é o ato de reverenciar alguém. Enquanto nós ocidentais usamos as mãos para aplaudir os vencedores, aperto de mão ou abraços para cumprimentar, alguns povos orientais usam a reverência.
Abaixar a cabeça perante seu opositor ou amigo é sinal de elevada consideração e admiração pela pessoa que está diante de nós. “Curvar-se cerca de 30 graus (keirei) é comum para demonstrar respeito a alguém mais velho ou com cargo superior ao seu. Já a forma mais respeitosa é a reverência de 45 a 70 graus (saikeirei), que demonstra profundo respeito ou arrependimento”. (4)
Outra vez a sorte sorriu para o clique perfeito de Naomi Baker. Rebeca Andrade, no lugar mais alto, está com os braços esticados como se estivesse sendo suspensa pelos deuses do Olimpo. Não esqueçamos que ela estava numa olimpíada!

Há quem diga que foi um golpe de sorte desses fotógrafos. Não se pode negar essa verdade. No entanto, os deuses do acaso
sempre favorecem aqueles que estão preparados. Também é verdade que Bresson estava na plateia e cochichou a eles: “coloquem na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração” que a sorte vai sorrir para o clique.
Brasília, 14 de agosto de 2024.
João Rios Mendes